Colecção "Ópera": no 40: "Tannhäuser - Wagner" (1950) - V


Um relato muito interessante sobre a estreia de Tannhäuser em Paris:

A primeira Tosca cantou Elisabeth no Coliseu dos Recreios em 1914.
 Partes notáveis do argumento:

 A questão do bordão florido era algo que já tinha estranhado. (Ver nota de rodapé.)

Volumes desta série já neste blog:
Rigoletto, 1, II
Don Carlo, 42, IV

Tannhäuser | Fundação Calouste Gulbenkian

Para uma ópera em versão de concerto--sem qualquer encenação ou utilização de adereços--, o espectador não espera menos do que um elenco que, por si só, seja capaz de sustentar uma jornada lírica, empregando somente recursos vocais e orquestrais. No Capriccio de Strauss, La Roche defende a cenografia como elemento indispensável ao espectáculo, mas acaba por concordar com o compositor Flamand e o poeta Olivier a respeito de que a ópera é a reunião da música, da literatura e da cenografia; pois em Wagner, encenação é fundamental para o principiante, pelo que advirto que este espectáculo (a repetir-se no domingo, dia 15) pode não ser da compreensão ou do agrado de principiantes na ópera.


Os apreciadores de Wagner, por seu lado, também não se sentiram por demais estimulados pela "encenação imaginária" proporcionada pelos leitmotiven, visto que a Orquestra da Gulbenkian não esteve em boa forma, tendo havido inúmeros desencontros entre os instrumentos. Neste blog, em casos de insuficiência orquestral, culpa-se o maestro (Bertrand de Billy); esta vez será excepção porque a cooperação--tão necessária na ópera de Wagner--entre a orquestra e os cantores foi nítida e porque vários momentos musicais foram entusiasmantes e explorados de forma original.

Tannhäuser deixa Vénus, e regressa à terra que, oprimido, deixara há largo tempo. É-lhe dado a saber, pelo senhorio dessa terra e seus acompanhantes, que desde que partiu, Elisabeth esperou por si. Entusiasmado pela possibilidade de se redimir através do amor de Elisabeth, Tannhäuser entra num concurso de canto cujo prémio seria o casamento com a sua amada; mas a excelência e a pureza dos versos cantados pelos seus oponentes exalta-o de tal modo, que acaba cantando um hino a Vénus e ao amor carnal. O pecador é expulso e parte em peregrinação para Roma em busca do perdão papal. Sendo-lhe este negado, Tannhäuser regressa e tenta reencontrar Vénus. É então que se compreende que Elisabeth, num acto espiritual, intercedeu por ele no Céu. Afinal, "Deus concedeu a graça ao peregrino / que entra agora na felicidade dos céus".

Joan Botha--tenor amiúde apresentado em Bayreuth e nas mais prestigiadas salas de ópera do mundo--interpretou Tannhäuser, a lendária personagem medieval. Fazendo-se valer dos seus excelentes recursos vocais de heldentenor, Botha conseguiu retratar extraordinariamente as diferentes facetas do trovador medieval; quer ao entoar fervorosamente o hino a Vénus, quer ao se aperceber, mais tarde, da desgraça que pairava sobre a sua alma, ou ao narrar amargamente a sua história e o desfecho que erradamente julgava ter. Várias vezes lhe falhou a voz sólida, mas penso que o crítico pode perdoar este peregrino que tão bem contribuiu para o (seu) espectáculo.

Na ópera, Manuela Uhl interpretou uma deusa do amor sedutora, de voz cheia e sensual, tendo-se justificado inteiramente a segunda procura por parte de Tannhäuser. Se eu tivesse sido o trovador, talvez me tivesse inclinado mais para Vénus, porque Melanie Diener não foi não foi particularmente comovente como Elisabeth. Este género de personagem quer-se mobilizador de auditório, e para isso são requeridas várias qualidades na intérprete que vão além da beleza tímbrica, ou da naturalidade do canto: a esta Elisabeth, faltou carisma.

Um dos momentos mais belos da ópera é, sem dúvida, o monólogo de Wolfram (um dos trovadores) no acto III. Job Arantes Tomé foi quem interpretou Wolfram, e quem menos se destacou na récita devido à sua voz pouco potente. Falk Strukmann, sim, deveria ter sido Wolfram--e não o senhorio Hermann. Provavelmente, a intenção dessa escolha no elenco deveu-se ao pensamento de que um senhorio se deve impor mais do que um trovador. Por outro lado, o senhorio é uma personagem que não tem nenhum momento vocal emblemático, e não é necessário recorrer-se a um cantor de voz tão encorpada (suficiente para um Wotan), deixando-se um dos mais belos momentos da ópera "pendurado".

Felizmente, a ópera acabou em grande com o famoso coro dos peregrinos cantado ao mais alto nível.

O Tannhäuser apresentado pela FCG é uma produção muito interessante do ponto de vista vocal, contando com nomes reconhecidos internacionalmente. O facto de não haver encenação restringe o público interessado, mas, para wagnerianos ou melómanos, este é um espectáculo de assistência obrigatória, absolutamente a não perder!

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Comunicado do TNSC - Breves comentários

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Breves observações:
  • É natural que estas contenções tenham de existir. No entanto, dada a reduzida qualidade dos espectáculos produzidos nas últimas temporadas, tenho as minhas dúvidas de que -- considerando que a última gestão do teatro não foi danosa -- o São Carlos seja culpado da crise económica que Portugal sofre.
  • Espero que a Butterfly não acabe por ser cancelada.
  • É pena que o Don Pasquale seja cancelado, porque parecia interessante e eu eu tencionava ir.
  • Acho muito bem que Turandot / Francesca da Rimìni sejam canceladas, porque tenho quase a certeza de que seriam récitas de pouquíssima afluência, quer seja pelo remoto repertório, quer seja pelo elenco nada apelativo.
  • La Rondine: embora ache que, para estrear uma ópera de Puccini no único teatro de ópera nacional, se devesse chamar um elenco especial (Gheorghiu &c.) e aguardar tempos economicamente mais favoráveis, aceitarei a ideia de mais uma ópera de elenco nacional(Dora Rodrigues, Carla Caramujo, Mário João Alves, Bruno Almeida e Luís Rodrigues), porque por ser exclusivamente português, o elenco é especial. Da última vez, não correu mal! Edit 09/01/2012: a informação rasurada acerca do elenco foi observada em http://www.saocarlos.pt/gca/?id=1263, no dia 07/01/2012, e alterada entretanto para "elenco a anunciar".  Edit 22/04/2012: entretanto, o elenco foi anunciado em http://www.saocarlos.pt/gca/?id=1263.
  • Na temporada sinfónica, acho que deveriam manter apenas os concertos com Sequeira Costa, António Rosado e Artur Pizarro. Para temporada sinfónica, a Gulbenkian bate o São Carlos "hands down"; para sustentar concertos sinfónicos que geram prejuízo, não vale o argumento de que o São Carlos é o único teatro de ópera nacional.
  • A boa reacção ao Concerto de Ano Novo apenas comprova que o público gosta de bons espectáculos. (E que Elisabete Matos é uma excelente artista.)
Leitores, não se inibam de deixar comentários.

Concerto de Ano Novo "Boas Entradas com o São Carlos", no Teatro Nacional de São Carlos (Crítica)

2012 chegou; o Teatro Nacional de São Carlos brindou o público com um concerto de ano novo protagonizado por Elisabete Matos, suscitando abundantes aplausos. O programa incluiu grande repertório, passando por Verdi e Puccini, pela opereta vienense, e por imensa música espanhola -- talvez demasiada, tendo em conta que estamos a celebrar o ano novo em Portugal e não se tocou música portuguesa.

Por Força do Destino, o espectáculo começou mal. Ocorrem-me vários adjectivos desagradáveis para descrever a direcção musical de Miquel Ortega, maestro espanhol que estragou a delicadeza do intermezzo de Manon Lescaut e deixou o coro gritar, sobrepondo-se à soprano solista. Foi curioso notar uma ironia ao ouvir o coro português cantar "minha pátria, tão bela e perdida", sob a direcção musical também algo perdida de um maestro espanhol que arruinava o coral "va pensiero" do Nabucco.


Posto de lado esse defeito, quem realmente desejou as boas entradas foi a soprano portuguesa Elisabete Matos, já vista nesta temporada no D. Carlos. Tal como o leitor pode aduzir da audição deste excerto do último festival de ópera de Óbidos, a soprano Elisabete Matos é uma Turandot de arrepiar. Foi tão aplaudida pela ária "In questa reggia", que por momentos pensei que a sala viria abaixo. La Matos não falhou em arrepiar-me com a sua voz doce, mas maleável, em papéis tão diferentes como Turandot, Macbeth ou Giuditta. 
O repertório espanhol que interpretou não é meu conhecido, pelo que não soube apreciar inteiramente o que ouvi; todavia, é certo é que o aplauso foi bem voluntário e forte! A célebre ária "meine lippen sie küssen so heiss" -- supostamente a última -- não me pareceu muito apaixonada nem transbordou de emoção como se quer, mas o encore de "La Périchole" de Offenbach foi brilhante e, a par de outra canção espanhola, encerrou bem o concerto.

A grande quantidade de anúncios afixados no Metro colmatou o atraso do anúncio deste espectáculo.

A iniciativa deste concerto de ano novo foi excelente e espero que se venha a repetir. É bom começar o ano com um concerto desta qualidade, com a sala do São Carlos cheia. O leitor mais atento (ou céptico) perguntar-se-á porque avalio este espectáculo com quatro estrelas, face à tão pobre direcção musical. A resposta é simples: Elisabete Matos esteve a cinco estrelas em considerável parte do concerto.

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O Plácido Zacarias deseja aos leitores do Ópera & Música Clássica um excelente ano.