La Rondine | Teatro Nacional de São Carlos (crítica)


Dora Rodrigues e Mário João Alves como Magda e Ruggero no café Bullier. Fot. Alfredo Rocha / TNSC 2012 (fotografias do programa mal tiradas, sugerindo um espectáculo inferior - o que não é inteiramente o caso)
Puccini é o compositor do amor violento, do profundo mar de sentimentos e das grandes heroínas, salvo numa excepção. Ao assistir a La Rondine ("A Andorinha"), é sugestão imediata a ligeireza da acção, mais do que da música em si. Não há violência, força, faca ou alguidar; nem o amor é omnipresente. O drama não é muito intenso, confiando-se apenas em dois números de sensação, algumas amostras de valsas, um coro exemplar e a aveludada orquestração tão marcante de Puccini. No fundo, La Rondine é a ópera de "deixa-me sonhar", tal como diz Magda ao seu amado Ruggero no acto II. A cargo de José Miguel Esandi, a orquestra sinfónica portuguesa produziu um som belíssimo, profundamente inspirado pela fantasia amorosa dos dois amantes; a sonoridade inundou cada canto da sala, e por momentos -- sobretudo no acto II --, pôde-se sonhar, esquecendo o dinheiro que custa a ganhar ou os olhos da sociedade sempre presentes nos cenários. As vozes solistas não eram brilhates, mas a orquestra proporcionou um quarteto "Bevo al tuo fresco sorriso" deliciosamente envolvente, também acompanhado pelo coro do teatro em perfeita melodia.

A encenação de Nicola Raab situa a acção em 1912, recorrendo a vários mecanismos dinamizadores que oscilam entre a ligeireza da comédia e a fantasia amorosa da ópera. Os figurinos não são inteiramente satisfatórios em termos estéticos nem históricos. Na casa de Rambaldo, antes de Magda o deixar, há uma abundância global, conquanto algo kitsch, que se adapta ao café Bullier do acto II, onde Magda encontra a sua fantasia de amor. Já no acto final, em que a fatalidade do destino da andorinha que fugira do ninho é o regresso de Magda para Rambaldo, o cenário é simples, com vista para o mar: peças de mobília estão suspensas no ar, tal como as fantasias insustentáveis do amor de Ruggero e Magda -- a última, uma sofisticada dama que o velho Rambaldo sustinha até ao aparecimento de Ruggero.

Dora Rodrigues apresentou uma Magda sonhadora, mas nunca muito envolvida. Embora audível, não demonstrou sensibilidade para revelar suavemente a progressividade dos seus sentimentos: tudo foi brusco, desde o primeiro olhar até ao amor, do amor ao drama, enquanto no acto II, no café Bullier, a encenação sugeria um prolongamento temporal da acção por um espaço de meses. Na versão amputada pelo próprio Puccini (decorrente da inexplicável insatisfação do público), sem a ária "Parigi è la città dei desideri" com que se apresentaria Ruggero no acto I, não chega a ser implantada no público a mesma compaixão que se tem pelo Rodolfo ou pelo Calaf. Em parte, o Ruggero de Mário João Alves também não foi muito cativante por essa razão, acrescentada à clara insuficiência de projecção vocal do tenor.

Carla Caramujo e Marco Alves dos Santos formaram a dupla amorosa da amigável criada de Magda e do poeta Prunier, evidenciando essa centralidade secundária da ópera -- influência da operetta que em Viena se julgava que Puccini estava compondo antes de 1917. La Rondine foi composta por Puccini na quietude bucólica de Torre del Lago, durante a Grande Guerra. O compositor -- que não pegara nas armas sem ser para caçar patos -- não conseguiu nesses dias obter a aprovação total do público para uma ópera algo tragicómica num clima de guerra. O século e o milénio mudaram e, nos tempos difíceis que Portugal atravessa, é dada ao público, em S. Carlos, a experiência de descontrair e sonhar como a "andorinha" que, após apaixonada fantasia, tornou, enfim, ao ninho (ao contrário do desaparecido público de S. Carlos).

★★★☆☆, com gloriosa direcção musical

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Um comentário:

  1. Não sei se conseguirei ir ver, mas este texto deixa-me ainda mais interessado.

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