La Fille du Régiment | Teatro Nacional de São Carlos (crítica)

 Cristiana Oliveira e Luís Rodrigues como Marie e Sulpice

Para encenar La Fille du Régiment, Mário Redondo optou por recriar a história do amor quase proibido de Marie e Tonio num cenário inovador: uma caixa de brinquedos de crianças. Esta abordagem tem a vantagem de ser orginal e bem disposta, representando o castelo de Berkenfield e o campo do regimento 21 através de amontoados de peças coloridas que recordam um Lego. Embora esse aspecto constitua vantagem, acaba por colocar a encenação no separador do “simples, colorido e bem-disposto”. Durante 173 anos, Marie e Tonio entretiveram os espectadores de ópera de todo o mundo, por vezes pelas vozes dos mais famosos intérpretes líricos. O sucesso que esses obtiveram deveu-se, naturalmente, não só às suas capacidades individuais, mas também à ópera em si. Ao comparar La Fille com outras óperas mais dramáticas (por exemplo, a Ana Bolena do mesmo compositor), pode ser tentação classificar a primeira como uma simples historieta de amor—o que é extremamente redutor! Na verdade, por trás do cenário do regimento e do castelo, está a desenrolar-se uma guerra que levanta medos e incertezas e onde morrem pessoas(!); há preocupações sociais e políticas muito para além daquelas que são ironizadas pela cena da lição ao piano e semelhantes. Pensando bem, abordar a obra de Donizetti como simplesmente cómica e ainda lhe por o selo de “história de crianças” é uma opção legítima mas criticável.

Está mais do que visto que esta produção foi pensada a contar com a ária dos 9 dós (Ah mes amis... pour mon âme) mas um certo tenor preferiu dedicar-se a outras honras no estrangeiro. O substituto para Tonio foi Alessandro Luciano, tenor de timbre agradável e dedicado ao papel. Infelizmente, não deve ter estado nos seus melhores dias dada a fraca projecção vocal. Na tal ária, Redondo tentou criar um ambiente cómico sem grande sucesso visto que, embora todos os dós tenham sido cantados de forma elegante, não foram pujantes. Quando esta ópera estreou, o dó agudo do tenor (“dó de peito”) era algo novo, o que faz desta ária o primeiro “manifesto” do tenor moderno e—digam o que quiserem, haters gonna hate—a principal atracção desta produção. Porém, Luciano entregou-se claramente ao papel e foi minimamente credível. O papel de Marie é mais extenso do que o de Tonio e permite à artista exprimir-se de várias formas. Nestas condições, a Marie de Cristiana Oliveira esteve em bom plano cénico e vocal e tornou-se a estrela inesperada e inquestionável da produção. A diversidade do papel de Marie, filha do regimento que vai viver para um palácio de um dia para o outro, é uma rasteira a qualquer encenador, que repentinamente tem de alterar o dinamismo cénico entre as árias de despedida e o rataplan dos tambores militares. As luzes não estiveram em grande nível, tendo sido as alterações do esquema mais evidentes do que as mudanças do tom dramático em si.

Luís Rodrigues apresentou um Sulpice muito bom e envolvido. A curiosa reverberação da sua voz pela sala, em conjunto com as intervenções do coro, foram os elementos de masculinidade que tornaram este espectáculo minimamente credível como drama não-infantil. Até porque as restantes personagens secundárias, como a marquesa (Patrícia Quinta), dificilmente se podem enquadrar fora da vertente cómica. De facto, todo este raciocínio leva, de uma maneira ou de outra, a opor-se à abordagem do encenador. Aliás, a segunda grande desilusão do P.Z. foi ter uma projecção de duas crianças no final magnífico em que todos saúdam França (“salut à la France!”). As crianças não deixaran de parecer um cliché do encenador, desviando a atenção da música (e da própria construção cénica) para uma simples projecção que, para muitos, foi a origem do desconforto da abordagem. De qualquer forma, deve ser uma questão de opinião e a encenação será certamente de grande originalidade e agrado do ponto de vista de outros... Próximo passo: A Flauta Mágica encontra Lulu: ópera para crianças em versão de adultos!

★★★☆☆




P.S. O meu admirador anónimo asneirento a-d-o-r-a--me absolutamente e não resiste a comentar! Relembro que é melhor contactar-me por email (via não pública) se quiser mesmo que eu lhe dê atenção... mas, se calhar, é melhor procurar ajuda profissional!  :-)

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