Nova Temporada do Teatro de São Carlos: 2017-18

Finalmente aconteceu: chegou o dia em que S. Carlos anuncia a sua temporada enquanto outros teatros já começam as suas. O atraso gerou curiosidade ao ponto de pôr os melómanos a verificar diariamente se a temporada já teria sido anunciada. Desde que foi anunciada ontem, as estatísticas de visualização do blog já subiram. A nova temporada é reveladora sobre a rede de contactos do director artístico Patrick Dickie, que parece revolver essencialmente em torno do Reino Unido e do norte de Itália. Contudo, Dickie respeita os recursos de Portugal e encontram-se não só artistas portugueses nos elencos, mas também óperas no Porto. O programa incluirá também duas óperas em Lisboa em salas maiores que S. Carlos, demonstrando um significativo exercício de contenção de custos. Haverá oportunidade para ouvir Dora Rodrigues num papel principal e, talvez, também para Bárbara Barradas e Ricardo Panela, que têm sido alguns dos artistas portugueses mais discutidos nos blogs a propósito de algumas óperas em S. Carlos nos últimos dois anos.
      A temporada principia em Outubro, terminando o ciclo do repertório principal de Elisabete Matos. Teremos finalmente ouvido em Lisboa (não propriamente em S. Carlos, neste caso) a Tosca, a Gioconda, a Macbeth, a Abigaille (Nabucco), a Isolda e, por fim, a Turandot; fica a faltar a Senta (Der Fliegende Holländer). O tenor tem experiência no papel e a Liù da Dora Rodrigues deixa expectativas elevadas devido à evolução da soprano nos últimos anos. Turandot abre a temporada com uma récita no Coliseu. A sala guarda recordações de grandes récitas operáticas do passado mas perdeu essa tradição há décadas. Será que o teatro vai a tempo para rodar o marketing de forma a não deixar o Coliseu confrangedoramente vazio nessa noite de quinta-feira? E será que uma semi-encenação não contrastará com a imensidão do palco do Coliseu? 
      Em Dezembro, a influência britânica de Patrick Dickie regressa com The Rape of Lucretia, de Britten. Recordando o Peter Grimes da última temporada, não sei se não estou já aborrecido por pensar na idiossincrasia britânica que encontrei nessa ópera e que fez uma proporção generosa da audiência abandonar o espectáculo. Apesar disso, estou entusiasmado pela ideia de voltar a ouvir Maria Luísa de Freitas em Britten, se bem que não seja evidente que a cantora se adapte a esta personagem tão bem quanto à Mrs. Sedley. A dupla do maestro João Paulo Santos e do encenador Luís Miguel Cintra evoca o encontro em Dialogues des Carmelites, que foi favoravelmente recebido pela crítica e transmitido pela RTP2. 
      Dois dos jovens nomes portugueses que mais têm sido destacados na blogosfera operática são Bárbara Barradas e Ricardo Panela. Ambos se reúnem no fim do ano para L’Enfant et les Sortilèges de Ravel. Finalmente, a mediática maestrina titular Joana Carneiro aparecerá em S. Carlos numa ópera pela primeira vez. Já me perguntava qual seria a sua função como maestrina titular. Porquê esta ópera, nesta temporada? Nem desconfio. 
      A Elektra de Strauss no CCB parece-me a mais atractiva produção da temporada, protagonizada por Nadja Michael. A “semi-encenação” de Nicola Raab também me deixa entusiasmado na sequência da recente produção de Der Zwerg – uma obra com comparável profundidade psicológica à Elektra. Joana Carneiro regressa ao fosso de orquestra para o Idomeneo de Mozart. Aqui está uma nova produção para os apreciadores de Mozart. 
      Para desenterrar I Capuleti e i Montecchi do repertório do bel canto, Dickie teve de escavar ainda mais fundo do que da última vez, aventurando-se novamente no projecto Anna Bolena: exibir uma ópera que raramente se apresenta sem ser para aproveitar o virtuosismo dos intérpretes principais. Esperemos que Dickie tenha alguma carta na manga que eu não esteja a detectar e que este espectáculo não desiluda como a última Anna Bolena. Novamente, Luís Rodrigues parece-me mal colocado no elenco. A sétima e última ópera de temporada será – soem os tambores – a Traviata. Clássico ou cliché, o leitor decide. A intérprete principal tem experiência prévia no papel, que cantou no La Fenice. O Alfredo do tenor também já recebeu algumas dicas do maestro Mehta, o que deixa expectativas reconfortantes. 
      Nesta temporada, antevejo três potenciais momentos altos: Turandot, Elektra e a Traviata. Contudo, o que se vai passar não é claro. Por exemplo, a semi-encenação importada da Turandot e as vozes podem ser demasiado pequenas para a escala do Coliseu dos Recreios; talvez o director artístico tenha mesmo uma carta debaixo da manga para I Capuleti e i Montecchi; talvez fiquemos rendidos aos jovens portugueses em L’Enfant et les Sortilèges. A temporada não será garantidamente “a minha” temporada na medida em que o repertório não me atrai à partida. Quero ver a Turandot e a Elektra e, pelo resto, tenho no máximo alguma curiosidade. Dou o benefício da dúvida aos outros cinco espectáculos somente à luz do agradável trabalho programado por Patrick Dickie na última temporada. Suponho que possamos fiar dado os paralelos com a temporada anterior: grande ópera a abrir a temporada, Elisabete Matos no seu repertório e a utilização de outras salas de espectáculo, Britten, repertório raro mas não demasiado remoto e cooperação com artistas ingleses e italianos. Enfim, irei de espírito aberto, sem entusiasmo desmedido.

Leia as críticasTurandot no Coliseu dos Recreios (crítica), L'enfant et les sortilèges em S. Carlos (crítica), Elektra no CCB (crítica).